Desviados

O Jubileu

📅 Publicado em: 01/01/2005 00:00

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Arnaldinho era um tarado. Pior: era um tarado cheio de idéias e influências. Uma delas era seu tio Sérgio, que uma vez lhe disse: - Arnaldinho, eu casei com mulher bonita, seu pai casou com mulher bonita, seus tios casaram com mulheres bonitas. E você viu no que deu. Por isso, siga meu conselho: case com uma mulher com quem você possa conversar. Por que a beleza, mais dia menos dia, vai embora. Arnaldinho ficou pensativo. Se lembrava de uma velha lenda que conhecera no interior, quando servira o Exercito. Um velho turco, Seo Habib, dono de um boteco chamado Queridão, contava que, quando uma mulher surge no seu caminho, em hipótese alguma você pode recusá-la. Por pior que ela seja, deve ser recebida como uma dádiva. Caso contrário você terá o Jubileu pousado em seu ombro pelos próximos 50 anos. O Jubileu é um urubu assustador, que só pode ser visto por mulheres bonitas. Dizem que as feias também enxergam o Jubileu. Mas que por motivos pessoais acabam encarando o bicho feio. Aí quem se assusta é ele. Que vai embora deixando o caminho livre para as belas moças se aproximarem. Arnaldinho guardava seu tio Sérgio e o seo Habib como gurus. Mais doque todas suas demais referências, as teorias de ambos sempre se confirmavam. No ano de Exercito, a vida amorosa de Arnaldinho não foi nada fácil. Logo no começo, ainda revoltado, Arnaldinho esnobou muitas mulheres. Com o passar do tempo, praticamente desesperado, tomou coragem e passou a seguir os conselhos de seo Habib – sempre deu certo. Já de volta à São Paulo, namorou lindas meninas. Bonitas, gostosas, bem educadas. Muitas delas boas de cama. Mas sem assunto. Isso levava Arnaldinho a manter amizades coloridas. Mas as mulheres solteiras não gostam muito dessa modalidade. Assim Arnaldinho tocava sua vida sexual com mulheres mais velhas, balzacas interessadas em tomar uísque, beijar na boca e dispostas a fazer sexo sem compromisso. Também se arriscava com senhoras casadas. Elas tinham boas histórias, eram sexualmente dedicadas e pagavam a conta do motel. Mas suas prediletas eram as putas. Essas sim. Sempre disponíveis, alegres e elogiosas. Mas todas essas ele, com o cuidado de sempre, poderia ter para o resto da vida. E Arnaldinho era Católico, queria mulher para casar e ter filhos. Arnaldinho agora cruzava as duas histórias em busca de sua própria teoria. Sentado em uma mesa de bar, dessas redondas onde é só chegar e sentar, conheceu Izildinha. Izildinha acompanhava o pai, que era industrial, comunista enrustido e bêbado inveterado. Contavam os amigos de copo que o velho só não transformava a industria em cooperativa por que tinha medo de não sobrar dinheiro para comprar uísque do bom. Mas a verdade é que a industria era da mãe de Izildinha, uma senhora quatrocentona, neta do fundador. Izildinha acompanhava o pai em busca de boas histórias, risadas e umas aulas de direção. Era uma moça idealista, organizava bazares, torneios e campanhas nos clubes de sociedade e revertia a renda para a caridade. Era amiga do pessoal das artes. Gostava de fotografar a família e os amigos para depois presenteá-los. Bebia mas nunca dava vexame. Transava mas não espalhava. Conhecia o mundo, seus idiomas e hábitos. Enfim, Izildinha era "pra casar". Se não fosse um detalhe: a feiúra. Era de amargar. Vinícius de Moraes, que dizia não haver "nada mais bonito do que as feiurinhas da mulher amada", deve ter inventado a história da "beleza fundamental" ao conhecer Izildinha. E por tudo isso, Arnaldinho se apaixonou por ela. Na cabeça de Arnaldinho, com Izildinha ele seria feliz para sempre. Teria uma esposa ideal para o resto da vida. Melhor ainda: o Jubileu nunca mais chegaria perto dele. Dito e feito. Logo no almoço de apresentação de Arnaldinho a família de Izildinha, a mais bela das amigas dela conheceu o bom Arnaldinho no lavabo. Na véspera do noivado, foi a vez da bela balconista da joalheria. As recepicionistas dos bazares que Izildinha promovia, sempre davam hora extra depois do expediente. E assim foi a vida de Arnaldinho, recheada de bons momentos, e sem nunca faltar assunto em casa.

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